Estratégias De Comunicação Em Química Como índices Epistemológicos: Análise Semiótica Das Ilustrações Presentes Em Livros Didáticos Ao Longo Do Século XX

SOUZA, Karina Aparecida de Freitas Dias de
Estratégias De Comunicação Em Química Como índices Epistemológicos: Análise Semiótica Das Ilustrações Presentes Em Livros Didáticos Ao Longo Do Século XX
São Paulo/SP, Universidade de São Paulo, USP, 2012. Tese de Doutorado. (Orientador: Paulo Alves Porto).

Resumo O presente trabalho insere-se no contexto de algumas convicções, aqui destacadas com vistas à compreensão dos objetivos e estratégias metodológicas: (i) no processo de construção do conhecimento científico, o acesso à realidade da Natureza só é possível se mediado pelos resultados das interações que com ela estabelecemos; (ii) a interpretação de tais resultados levam a construtos teóricos e linguísticos; (iii) tais construtos não correspondem à realidade em sua totalidade, uma vez que se tratam de interpretações possíveis e limitadas pelas interações estabelecidas; (iv) a explicitação das relações entre realidade - interação - interpretação - representação é essencial ao processo de educação em ciências que se pretenda emancipatório e formador de indivíduos críticos, uma vez que permite extrapolar os limites do ensino conteudista. Tais relações ganham especial destaque no ensino de química, dado o papel essencial desempenhado pelos modelos e representações tanto no processo de construção do conhecimento químico quanto de sua comunicação. Apesar disso, extensa busca na literatura levou a diferentes tentativas de descrição da atividade química e do ensino dessa ciência que não contemplam satisfatoriamente as relações entre realidade, interação, interpretação e representação. Considerando que tais relações são de natureza semiótica, foram colocados como objetivos da presente investigação: a reconceitualização das diferentes propostas de descrição da atividade do químico e do ensino de química à luz da filosofia de Charles Sanders Peirce; a caracterização das estratégias de comunicação do conhecimento químico empregadas por autores de livros de Química Geral sob a perspectiva do referencial teórico elaborado e a busca por correlações entre o perfil das representações investigadas, a evolução no conhecimento químico, e as diferentes concepções sobre essa ciência. A teoria peirceana mostrou-se promissora na elucidação de problemas filosóficos identificados nas descrições da atividade química e de seu ensino. A compreensão de que as evidências experimentais atuam como signos de um objeto (realidade), do qual só podemos ter acesso parcial, contribui para a compreensão da atividade científica como processo em permanente construção. A partir dessa perspectiva, foram analisadas 31 obras e identificadas diferentes abordagens para o conhecimento químico: da química enquanto ciência prática e aplicada (início do século XX) passou-se à ciência do invisível (ênfase nos princípios a partir dos anos 1950) e, mais atualmente, à ciência de interfaces. Tal transição mostrou-se marcada por modificações nas estratégias de representação do conteúdo químico: das ilustrações sobre experimentos e aparatos passou-se à quase negligência dos aspectos descritivos em favor das representações de átomos e moléculas, cuja \"realidade\" vai sendo construída ao longo do século a partir de recursos gráficos cada vez mais elaborados, e de estratégias semióticas, como o aumento da iconicidade. Chega-se à década de 1980 com enorme número de ilustrações, distribuídas entre fenômenos diretamente inacessíveis por nossos sentidos e aplicações da química em nosso cotidiano. As estratégias discursivas utilizadas nesse processo, bem como suas implicações para o ensino de química, discutidas ao longo do trabalho, sugerem que a semiótica peirceana constitui linha de pesquisa fértil e promissora para esta área.